domingo, 4 de dezembro de 2011

Canção de Domingo

Amo ao Som que conheci em minha infância
E a Ele me recorro quando sinto falta de casa
Certamente essa idéia me espanta
Mas não tanto quanto a falta
Que ao meu espírito cansa

Anseio ao Som da minha juventude
A canção que dancei quando ainda tinha pernas
Talvez agora não saiba mais andar
Mas minhas pernas me guiam por algum caminho

Não mais busco sentido ou caminho
Não mais procuro estar certo
Nem mesmo uma canção que me faça dançar
Quando meu espírito se cansa de mim mesmo
Automaticamente é ao Espírito de toda música que ele recorre.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Diagnóstico

Na sala gelada, com paredes braças, deitada numa cama pequena, com um colchão fino e cobertas usadas por pessoas que não se sabe o que teve, dava pra ouvir os apitos do aparelho que monitora os batimentos cardíacos da paciente.

William estava aflito, pois tinha alguns motivos para duvidas, ele não sabia se sentia raiva ou se compadecia em perdão em razão das condições de Augustine, mas também considerava que não havia motivos concretos para a raiva, pois sua esposa estava inconsciente e ainda não haviam respostas.

O doutor entrou na sala e deu o diagnóstico para William. Augustine estava com Sífilis, e seu cérebro havia sido afetado na parte que controla os movimentos do corpo. Felizmente não seria afetada sua memória, nem mesmo a razão, mas provavelmente não recuperaria mais os movimentos da perna. Bastava saber a origem da doença, que parecia ter se manifestado de forma repentina.

- Algum histórico na família?  - perguntou o doutor á William.
- Não pelo que eu saiba, doutor. Estamos casados a 12 anos, e nunca falamos sobre isso. Do que conheci dos pais dela, não parece que houve tal problema na família.
- Faremos alguns exames – respondeu de forma séria – mas precisamos saber se existe algum motivo para desconfiança. Augustine ainda está inconsciente em razão dos sedativos dados para a dor, e precisamos saber a causa da doença para que o tratamento seja eficiente.
- Tenho tentado fugir dessas perguntas - Disse William - Não sei o que te dizer agora, tenho algum tempo?
- Fique a vontade - disse o doutor, antes de sair da sala.

Enquanto William olhava absorto para Augustine sem saber o que pensar, percebeu que seus olhos lentamente se abriam.

- Olá querido – Disse Augustine bem baixinho.
- Oi – Respondeu William, seco e distante.
- Tudo bem com você? Parece preocupado.
- O doutor me disse seu diagnóstico. Você tem sífilis, que afetou parte de seu celebro, e você acabou perdendo os movimentos da perna.
- Sífilis?
- Isso mesmo.
- Augustine virou o resto para o outro lado, como se tivesse com vergonha, ou escondendo alguma emoção.
- E quanto a você? – perguntou preocupada.
- Eu estou bem, eu acho.

Nos últimos meses eles não se encontraram, a relação estava um tanto distante.

- Você tem algo para me dizer, Augustine?

Ao que Augustine ficou calada.

- Depois de tantos anos, pensei que nosso amor...
- Não tenho nada a te dizer – Interrompeu – Nosso amor não tem nada haver com isso.
- Tenho motivos para achar que está mentindo – Foi enfático, porém não incisivo – Diga-me a verdade, não te deixarei nesse momento difícil, afinal de contas, somos sozinhos, e quem sabe o amor supere mesmo qualquer coisa.
- Nosso amor não tem nada haver com isso – Disse reflexiva – E quanto a você, William? O que me diz?
- Esconder também pode ser chamado mentira? Eu não te escondo nada, apesar de já ter mentido, como qualquer outro, como quando fiquei no bar com os amigos ao invés de estar na biblioteca, mas eu nunca...
- Eu sei – Augustine interrompeu mais uma vez – Eu sei que não. E também sei que você estava no bar naquele dia. Preciso descansar –

Augustine dormiu, como se na piscada dos olhos, uma cola não permitisse que se abrisse novamente.

O doutor voltou para coletar o sangue, e disse que dentro de dois dias teria o resultados. Decidiu fazer o exame em William também.

- Em dois dias teremos os resultados– disse o doutor.

Augustine não estava mais sedada, o tratamento surtira efeito no sangue, o que a fazia estar melhor.

- Você mentiu muitas vezes pra mim?  - Perguntou William, com calma quase mórbida.
- Eu te amo, e não existiria sem seu amor, e hoje te amo mais do que quando nos casamos, e nunca deixei de te amar mais a cada dia desde que te conheço – Augustine disse com os olhos lacrimejantes – E quanto a você?
- Em você realizo minha existência, não consigo pensar...
- Pode parar - Interrompeu mais uma vez.
- Você nunca me deixa falar. – Disse William.

Em seguida disse Augustine, calma e confiante.
- Já conheço todas suas palavras, te ouvi por mais de 15 anos, e nunca me enjoei. Sabemos que nesses últimos dois anos brigamos algumas vezes, posso ter parecido distante, eu sei, mas, de que valem as mentiras do passado, se o amor é a única resposta? A única verdade?
- Mentiras não só ferem, são motivos e tem sentido – Disse William.
- Você está errado, a mentira pode ser uma medida de escape, ou uma maneira de quem conta proteger quem ama.
- Não diga que estou errado, de mentira já me basta a verdade. Eu nunca te traí!
- Eu...

O doutor entrou na sala, sempre sério, com duas folhas na mão, e com o olhar penetrante em direção a William.

- Tenho duas noticias, mas não sei dizer exatamente se são boas ou ruins, de todo modo, meu papel é anunciá-las. Primeiro, William, você não está contaminado. Em segundo lugar, sinto-lhes dizer que os movimentos de Augustine não podem ser recuperados, o que podemos fazer é tratar a doença para que não se espalhe, e tentar diminuir os efeitos do tratamento.

Claro que não era essa a noticia que William esperava. Saber que não estava contaminado respondia parte do problema, mas poderia afirmar algo muito desagradável.

O doutor estava saindo da sala quando William o segurou pelo braço.

- Mas doutor, e quanto a Augustine?
- Parece ser congênito. Não detectamos sinais de relações sexuais recentes. A paralisia não afetou os órgãos genitais e internos, somente a musculatura das pernas, sugiro que não deixe mais a sua mulher tão atoa.

- Eu também, nunca te traí – Disse Augustine.