sexta-feira, 1 de junho de 2012

Cap XVI - Desventuras no Jazz; contingencias do Blues.


Desventura, amigos, desventura! É Somente disso que se trata a vida, o que não é nada agradável. Certa vez ouvi uma pessoa dizer: “A vida é uma desventura contingente”. E na verdade é exatamente disso que se trata. Imaginem vocês, numa cidade, quanta desventura há de ter. Às vezes é até difícil enxergar a poesia, e mesmo um otimismo forçado, que tenta, por vezes, nos impelir ao belo, não é suficiente para a compreensão de certas coisas, quanto menos o amor, que, talvez ironicamente, é pura poesia, e completa desventura contingente.
Havia um disco que Frank procurou por toda a vida. Daqueles raros que você só ouve dizer, mas ninguém nunca ouviu sequer uma musica, ou mesmo que nunca foi anunciado, mas que você pensa: “nossa, deveria haver um disco assim”. Imaginem um disco do Thelonious Monk tocando com o Bem Webster; é disso que se trata, até onde sei existem apenas tres gravações deles tocando juntos. 
Frank achou seu disco, e a música era linda! Ele não cansava de ouvir, mesmo que a musica estivesse na maior parte do tempo longe. Melhor, a música não estava longe, o som vinha de longe, mas as vibrações eram reais e presentes, como se estivesse com os ouvidos grudados na bateria do Max Roach! Como a musica era real! Vibrante! Forte! Viva! E fazia viver! Mas estava, digamos assim, longe.
Por fim, Frank vivia pensando nesse disco, e em como o queria por perto. Como gostaria de não só ouvir todo dia, mas ver, tocar, e ver, ouvir e tocar, todo dia. Na verdade, o tempo de espera não precisa ser tão longo, ou tão distante no presente, o que não é, para causar tamanha nostalgia. Algumas vezes Frank viajava só para ouvir esse disco. Era puro amor, e como todo bom amor, e como toda boa música, e como todo bom jazz, era sempre carregado de um profundo blues.
O tempo parava. Frank ouvia aquelas canções, e como diz Elizeth Cardoso em uma de suas lindas interpretações: “Se o tempo entendesse do amor, ele parava”. Mas por fim, voltemos à desventura, pois é disso que se trata nossa história.
O anseio de Frank era conseguir trazer esse disco para perto de si, mas muitas sempre foram às dificuldades, e suas tentativas não eram de sucesso, certamente pelo fato de ter feito tudo errado, e como pobre não pode escolher, mas viver o que vem pela sua frente, decidiu entregar-se, por fim, ao acaso. Foi quando veio para a cidade, mas sempre desejando estar perto de seu desejado disco. O disco da sua vida! Como se fosse “Body and Soul” com Monk ao piano, Webster no tenor, Charles Mingus no baixo, Roach na bateria, Roy Eldrige no trompete e Bill Harris no trombone. Imaginem só vocês! Nem seria preciso Wes na guitarra e Mulligan no barítono, pois a simplicidade de poucas sonoridades era totalmente suficiente. A pura negação da vontade, e o ideal Shopenhauriano de gênio absolutamente manifesto em plenitude, como se o a formação grega, de amor e paidéia, fossem completos em uma única melodia, Body and Soul! Como “How Deep is de Ocean”, quando cantada lindamente por Chet Baker, com Paul Desmond acompanhando no sax alto, uma canção profética de esperança.
              Enfim, amigos, era a canção, a musica perfeita! O disco que todo amante da boa e verdadeira melodia, inspirada diretamente pelo belo ontológico que Schiller procurava, é disso que se trata, ou tratava, o disco.
  Bom, não tenho, não sei, muito que dizer sobre isso. Muitas coisas aconteceram, muita musica tocou, e com o passar do tempo, musicas ruins. Mas imaginem só, o tal disco, desejado, esperado como uma relíquia sagrada e inspiradora, a trombeta dos anjos que anunciavam o tempo da plenitude e da real existência, as vezes, em seu intimo, Frank até tinha a ousadia de chamar isso de felicidade, imaginem que, por uma série de motivos, o disco não poderia mais tocar para Frank. Pelo menos ao que tudo indica, pelo que parece, e como os fatos aparecem, e a desventura injustamente rege o mundo, e  contingentemente tenta matar a esperança, e tudo que a alimenta, o disco estará na cidade, e haveria de chegar! Diabos!
            Mas as coisas são diferentes, nenhuma musica toca tanto o coração de Frank, não parece haver outra canção que o faça sentir pleno de jazz, blues, e samba ao mesmo tempo. Conseguiram destruir, desgastar, romper, o mais belo fenômeno humano, e cada vez mais raro. Parecia não haver mais poesia.
           Sim amigos, o mundo é grande, e muita musica já foi e há ainda de ser gravada. É como o amor que Liêvin teve por Kitty em Ana Karênina de Tolstói, é como... Como, enfim. Uma musica que talvez não possa mais ser ouvida. Desventura e contingencia, amigos. Somos largados nesse mundo, deixados, e soprados como plumas, pelo amor. Mas também pelo amor voa, e só voa, sem sentido, sem destino.
          Para o inferno com esse amor! Poderia dizer Frank. Pois, qual outra versão de Solitude é melhor que a interpretada por Billie Holliday? Acaso é possível viver sem Jazz e sem Blues? Muito ainda teria que acontecer para acabarem de vez com a esperança de nosso herói.
              Veremos o que a cidade nos guarda.