segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Capítulo XIII - My One And Only Love



            Essa era a canção que se ouvia. Havia um belo jantar sobre a mesa. Ainda saía fumaça do arroz, leve e solto. Não tinha feijão, mas uma leve salada com alface, tomate a um bom azeite para temperar, puro e simples. A carne estava ao ponto, o tempero era levado a um leve toque de alho com pimenta e molho madeira, tudo muito experimental. Sobre a mesa tinha duas taças de vinho, de uvas Tannat, a preferida de Frank. Ouvia-se o som suave do piano de Art Tatum, acompanhado do timbre melódico e saudoso de Bem Webster, quando todo o belo parece envolver tudo que existe, e o ser não mais importa. Seus pés estavam juntos, movendo-se na balada do som jazzístico que não poderia ser mais conveniente, Frank se sentia, talvez, feliz, mas não saberia dizer, era tudo muito, digamos, novo para ele. Parecia que seu amor fazia sentido, e Frank se sentia compreendido, parece que tudo que ele sempre falou sobre o belo fazia sentido, ele ainda não acreditava no que sentia, e seus olhos ficavam embaçados, ao som do amor exalado por Webster em “Where or When”. 
            O calor do corpo é algo que sempre fez sentido para Frank, o belo sustentava todo o caos que havia em sua cabeça, e o cheiro que sentia inundava sua imaginação de paixão e ternura, a vida até parecia ser boa.
- Que momento é esse? – Se perguntou Frank, em sua mente confusa, mas de tão apaixonado, não buscou respostas, queria apenas sentir aquele cheiro, o hálito, ainda do vinho tomado, e a leve tontura, o deixava consideravelmente confortável, ao ponto de se levar pelo som que ouvia. Dançavam levemente, sem falar nada, talve sem pensar, apenas indo ao ritmo, sentindo, experenciando o amor, a vida, um momento, talvez único, inexistente. “My Ideal”, ouvia e pensava:
- O amor é a única coisa que importa, a única justificativa para o sofrimento é a união de um homem e uma mulher que se amam, e isso não deve fazer sentido. - pensou Frank.
– O amor não deve ser explicado, não deve fazer sentido, não deve ser buscado, nem mesmo deve-se falar sobre ele o tempo todo, mas acima de tudo, deve ser experimentado livremente, sem culpa, sem medo, sem resposta, sem nada, somente som e gosto, sensação, o amor é a pura essência humana, a falta total de sentido, e a única coisa que importa.
            Ao ritmo da sincope, seus pés ainda balançavam pra lá e pra cá, seus corpos estavam unidos, os braços se acariciavam suavemente, seus rostos não estavam unidos, se encontravam cada um no pescoço do outro, e em suas leves respirações os odores se misturavam, e não mais se sabia o nome da fragrância, era tudo tão puro que não se esperava nada do segundo seguinte, apenas que o atual nunca acabasse. Frank estava repleto, exaurido, cheio de tudo que se pode dizer amor, e ele sabia, estava certo, tinha certeza, que sua companheira sentia o mesmo, e não era necessário dizer nada.
            Quando menos esperava, Frank acordou, olhou para os lados, e chorou.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Capitulo XII - Estações

            Fazia já algum tempo que Frank vivia na cidade. Saiu de sua terra com o ímpeto e o desprazer da incerteza. Na verdade não havia um propósito profundo, ele não buscava mais a razão da existência, ou viver algum plano; algo que de fato era muito novo na cabeça de nosso herói. Existem somente duas verdades no mundo, dizia Frank, o amor e o sofrimento.
            Enquanto incerto Frank tinha muita força; pensando melhor, ele não tinha força, mas no final das contas ele conseguia caminhar, por isso dizem que só sabemos do que somos capazes quando não podemos fazer mais nada. O problema talvez seja que, quando sabemos, ou parece a solução de algum problema, a força vá embora junto com a vontade de andar.

- Olá caro amigo, quanto tempo que não o vejo. Soube que se meteu em uma grande aventura, e que no final das contas, deu certo.
- Não sei te dizer se deu certo, ou mesmo se foi uma aventura, até mesmo nem acabou ainda, afinal de contas, estou vivo. Devemos observar muito bem as coisas enquanto acontecem, porque depois de realizadas elas perdem totalmente o sentido.
- Frank, você ainda não começou a tomar remédios para resolver esse seu problema?
- A vida é uma doença sem cura, assim como o amor e o sofrimento, se nos curamos morreremos, pois é tudo que nos compõem.

            Algumas semanas atrás Frank sentia muito sono, talvez por querer fugir da realidade, ou apressar um tempo que esperava chegar logo. Mas após receber boas repostas e ver que as coisas pareciam estar dando certo ele voltou a ter dificuldades de dormir, e o motivo ainda não sabia. Talvez esse fosse o problema.

- Final de ano é uma época feliz, não é mesmo Frank?
- Não me chateie, Érico.
- Realmente, desculpe, acabo de me lembrar que você costumava se queixar de sentir-se muito mal todo final de ano. Você ainda tem isso?
- Até hoje somente uma vez isso não aconteceu, e foi o suficiente para esquecer todos os sofrimentos passados, mas logo a vida retoma o ciclo, e tudo se repete novamente. Eu não sei caro amigo, sou jovem e ainda não tenho muito que dizer, a não ser duvidas, por isso desistir de ter respostas pode ser a grave doença que me afeta. Há bem da verdade meu espírito está cansado, mas cansado de caminhar ainda sem sentido, e de fato é difícil criar os meus próprios, requer muito tempo, e a modernidade não nos dá este capricho.
- Entendo o que você diz; Esperança é tentar camarada, com você aprendi isso, mas talvez você tenha esquecido que todo caminho tem um endereço, mesmo que criado pelos homens.
- Nunca neguei tal fato, tão pouco desconsiderei que todo caminho leva a alguma condição, e tentar não justifica o cansaço. Porém, em cada estação as arvores nos apresentam uma arte distinta. Não me parece inteligente sempre escolher o caminho determinado que floresça o verão. O mundo gira e nos oferece quatro estações, devemos passar por elas, e para conhecer bem o mundo, talvez andar um caminho por vez, e ver que frutos o chão nos oferece.

            A morte, o sentido, o caminho, os frutos, as arvores, tudo voltava de forma bagunçada em sua cabeça, e Frank de fato se questionava a respeito da utilidade das estações.

 - Nietzsche procurava lugares específicos para passar determinadas estações do ano, eu acho que isso o limitou; melhor fez Helmholtz ao preferir uma ilha chuvosa. O problema é que não sei ainda nem a minha estação, tão pouco minha terra. Mas também acredito que isso faça parte da caminhada. Já andei por alguns lugares, tenho vontade de voltar e buscar algo proveitoso que talvez tenha deixado no caminho. Assim talvez me lembre de algo importante. Isso! Talvez eu devesse voltar e visitar lugares por onde andei e lembrar o que pensava me recordar, pois como disse, as cosias fazem sentido enquanto acontecem, depois perdem totalmente sua real significância. Meu problema talvez seja que o presente não se realiza em meu espírito.
- Vamos caminhando, camarada.
- Sim. Boa noite Érico, mande um abraço para Atychía.

            Érico riu da piada de seu amigo. Se cumprimentaram e Frank saiu de dentro do café. O dia estava quente, era verão, e mais um final de ano se realizava. 

sábado, 1 de outubro de 2011

Porque Deus não resolve os problemas do mundo?



            Um clássico da literatura pode causar um efeito estético bastante interessante, por isso acredito no perceptismo causado pela arte do gênio, mas para isso devemos ser sinceros às nossas inquietações, e não buscar a verdade, e sim nossas afinidades. Foi o que aconteceu como fruto da leitura e discussão do maravilhoso romance "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley.
           Imagina um mundo perfeito, que extinguiu os conflitos da humanidade, a infelicidade, a morte, a dor do nascimento, a dor do sofrimento, a traição, os conflitos, a insegurança, a violência, e tudo que pode ser considerado ruim no ser humano, e por sua vez, motivo de tudo que temos de ruim no mundo. Huxley nos mostra de forma maravilhosa o resultado dessa busca, a mais importante busca humana, ou assim considerada, a felicidade. Imagine um mundo feliz, imagine seus problemas resolvidos, ou não ter problemas para resolver. Pode ser um sonho, mas a leitura desse romance nos sugere que talvez não seja assim, não direi por que, para que fique sugerida a leitura.
                Mas afinal de contas, porque Deus não concerta o mundo? Pela primeira vez em algum tempo me proponho a pensar alguma resposta, e só faço isso pois tive afinidade com a percepção que tive, e pode ser que alguém mais tenha, e talvez sugira até soluções, possivelmente temporárias, mas profundas. Certamente não inventei ou descobri por revelação o que vou sugerir, mas a idéia de voltar aos clássicos é justamente essa, não criar respostas, mas confiar que talvez ela já exista, ou pelo menos exista algo que satisfaça alguma necessidade humana, mesmo que não por muito tempo. A pergunta que fiz no título desse texto é uma inquietação que todo ser humano tem, tanto os que acreditam em Deus, em suas diversas formas de fé, tanto quanto os que não acreditam, e esse pode ser justamente uma pergunta eu leve as pessoas à descrença. “Resolvi” esse problema nessa sexta feira dia 30 no LabHum (Laboratório de Humanidades do Centro de História e Filosofia da Saúde da UNIFESP) onde faço mestrado. Digo também que foi perceptivamente, porque não era o assunto, mas em minha mente, diante das questões aparecidas que não vão ser discutidas agora, ma trata-se, assim, de um efeito estético de leitura compartilhado com as impressões e sugestões dos diversos participantes do grupo
                A junção de todas minhas inquietações desses últimos dois anos a leituras que tenho feito, conversas que tenho tido, relações que tenho desenvolvido e também entrado em conflito em razão de minhas inquietações, tudo contribuiu para pensar, e continuará assim, e continuarei a buscar, e mudar de idéia sempre que necessário, para diante dos conflitos, crescer.
            Enfim, Deus não resolve os problemas do mundo para preservar nossa humanidade. Um mundo sem problemas seria como o “Admirável Mundo Novo" e Deus nos fez para sermos o que somos, humanos. Ser humano significa ter todas as características apontadas no inicio desse texto, logo, assim como no admirável mundo novo, a solução dos problemas resultou em desumanização, e por fim, em outros problemas. Os avanços tecnológicos nos mostram isso. Hoje temos estradas para chegar mais rápido em nossos destinos, mas temos engarrafamentos, temos metrô, mas eles lotam, temos médicos e novas doenças, temos avanços e eles resultam em outros problemas, ou seja, o ser humano é problemático, e talvez isso não seja um problema, talvez seja somente o que somos. Assim, Deus não concerta o mundo para preservar o que somos, ou deveríamos ser, humanos. A sua criação espontânea e amorosa, que nos fez livres, causou automaticamente nessa caracteriza, as desventuras compõem o mundo. Buscar solucionar o mundo, ou esperar isso, não é um caminho, ou seja; Jesus não representa o desejo de Deus de concertar o mundo, mas o exemplo de como os homens devem viver isso juntos, mesmo diante das diferenças e problemas que compõem, também, a criação. Obviamente essa concepção, se levada a fundo resultara na relativização de algumas crenças, que a meu ver, são prejudiciais, como a de que existe um único caminho para andar com Deus, pois isso negaria toda a diversidade que compõe o mundo, mas esse não é o nosso assunto agora, apesar de ser diretamente ligado. Essa concepção sugere que devemos desistir da necessidade de estar certo, para que possamos de fato, caminhar juntos.
            O reino de Deus na terra não é um mundo sem problemas, onde todo mundo é feliz; o reino de Deus na terra é enfrentarmos juntos o problema que é viver. Jesus representa o reino de Deus na terra, ou seja, se Deus está conosco, e negou a si mesmo para isso, e como é sugerido pela bíblia, devemos negar a nós mesmos pelos outros, entendo que essa leitura pode sugerir que devemos negar, também, a necessidade de estar certo, de descobrir a única verdade, ou de afirmar que temos a única revelação, devemos desistir de esperar que os outros concordem conosco, o que nos leva enfim, a não pensar mais que o “ímpio” vai para o inferno, pois se o reino de Deus está na terra, e Ele andou conosco, está conosco, devemos ser também reino de Deus, ou seja, estar junto dos outros, e isso humaniza. Logo, o reino de Deus não é a perfeição, ou a solução dos problemas do mundo, é solidariedade, caminhar junto, é amor, e essa é a beleza do cristianismo, isso é lindo, é preciso viver o amor, e esse deve ser o nosso maior desafio, criar verdade só complica, dificulta, piora. Assim, diante disso tudo só há uma verdade, a única verdade absoluta, o amor! Mas qual amor? Qual significado de amor? Todos!
            A leitura do romance “Admirável Mundo Novo” me ajudou a pensar sobre esse velho problema. Por que Deus não muda tudo? Por que o mundo é uma merda? Porque ele foi feito pra ser assim! Por quê? Isso não torna Deus culpado? Não! A criação foi livre e amorosa, por isso precisamos de amor e liberdade para criar e conseguir viver. Amor e liberdade são problemas, mas que se completam, porque o amor livre levado as ultima conseqüências nos indica a negação da vontade, e por isso Deus nega sua vontade, seu poder. Assim Jesus mostra que a verdadeira liberdade do amor está na negação de si mesmo, Deus colocou em sua criação liberdade e amor e nos ensinou na pratica a ser livre em amor. Ou seja, ele faz, coloca em nós o fazer e nos mostra como fazer. O mundo nunca será "perfeito", não fomos feitos pra isso. O mundo é isso mesmo que vemos, sempre foi e sempre será. O que precisamos é amar livremente, o que nos leva a negação de nós mesmos, e assim juntos, agüentar viver. Esse é o belo, que carrega consigo a agonia, o sofrimento, a alegria, e tudo que é humano. A resposta é que não há resposta, a não ser o amor, e mais nada. Negação de si, olhar para o outro, andar junto, sem querer estar certo.
            Essa teologia do Reino de Deus na terra, de concertar o mundo, um mundo perfeito etc, que sempre me inquietou, não é um bom caminho, pois pode resultar em um admirável mundo novo. O problema não é mais concertar o mundo, é conviver com as diferenças, é lutar por dignidade, justiça, amor e liberdade, é negar interesses, vontades, paixões, verdades, é colocar o outro antes de si mesmo. E como disse, não é necessário criar verdade, ou descobrir coisas, os clássicos nos apontam caminhos, talvez o caminho seja ser o que somos, humanos. O nosso problema é reencontrar a nossa humanidade.