sábado, 1 de outubro de 2011

Porque Deus não resolve os problemas do mundo?



            Um clássico da literatura pode causar um efeito estético bastante interessante, por isso acredito no perceptismo causado pela arte do gênio, mas para isso devemos ser sinceros às nossas inquietações, e não buscar a verdade, e sim nossas afinidades. Foi o que aconteceu como fruto da leitura e discussão do maravilhoso romance "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley.
           Imagina um mundo perfeito, que extinguiu os conflitos da humanidade, a infelicidade, a morte, a dor do nascimento, a dor do sofrimento, a traição, os conflitos, a insegurança, a violência, e tudo que pode ser considerado ruim no ser humano, e por sua vez, motivo de tudo que temos de ruim no mundo. Huxley nos mostra de forma maravilhosa o resultado dessa busca, a mais importante busca humana, ou assim considerada, a felicidade. Imagine um mundo feliz, imagine seus problemas resolvidos, ou não ter problemas para resolver. Pode ser um sonho, mas a leitura desse romance nos sugere que talvez não seja assim, não direi por que, para que fique sugerida a leitura.
                Mas afinal de contas, porque Deus não concerta o mundo? Pela primeira vez em algum tempo me proponho a pensar alguma resposta, e só faço isso pois tive afinidade com a percepção que tive, e pode ser que alguém mais tenha, e talvez sugira até soluções, possivelmente temporárias, mas profundas. Certamente não inventei ou descobri por revelação o que vou sugerir, mas a idéia de voltar aos clássicos é justamente essa, não criar respostas, mas confiar que talvez ela já exista, ou pelo menos exista algo que satisfaça alguma necessidade humana, mesmo que não por muito tempo. A pergunta que fiz no título desse texto é uma inquietação que todo ser humano tem, tanto os que acreditam em Deus, em suas diversas formas de fé, tanto quanto os que não acreditam, e esse pode ser justamente uma pergunta eu leve as pessoas à descrença. “Resolvi” esse problema nessa sexta feira dia 30 no LabHum (Laboratório de Humanidades do Centro de História e Filosofia da Saúde da UNIFESP) onde faço mestrado. Digo também que foi perceptivamente, porque não era o assunto, mas em minha mente, diante das questões aparecidas que não vão ser discutidas agora, ma trata-se, assim, de um efeito estético de leitura compartilhado com as impressões e sugestões dos diversos participantes do grupo
                A junção de todas minhas inquietações desses últimos dois anos a leituras que tenho feito, conversas que tenho tido, relações que tenho desenvolvido e também entrado em conflito em razão de minhas inquietações, tudo contribuiu para pensar, e continuará assim, e continuarei a buscar, e mudar de idéia sempre que necessário, para diante dos conflitos, crescer.
            Enfim, Deus não resolve os problemas do mundo para preservar nossa humanidade. Um mundo sem problemas seria como o “Admirável Mundo Novo" e Deus nos fez para sermos o que somos, humanos. Ser humano significa ter todas as características apontadas no inicio desse texto, logo, assim como no admirável mundo novo, a solução dos problemas resultou em desumanização, e por fim, em outros problemas. Os avanços tecnológicos nos mostram isso. Hoje temos estradas para chegar mais rápido em nossos destinos, mas temos engarrafamentos, temos metrô, mas eles lotam, temos médicos e novas doenças, temos avanços e eles resultam em outros problemas, ou seja, o ser humano é problemático, e talvez isso não seja um problema, talvez seja somente o que somos. Assim, Deus não concerta o mundo para preservar o que somos, ou deveríamos ser, humanos. A sua criação espontânea e amorosa, que nos fez livres, causou automaticamente nessa caracteriza, as desventuras compõem o mundo. Buscar solucionar o mundo, ou esperar isso, não é um caminho, ou seja; Jesus não representa o desejo de Deus de concertar o mundo, mas o exemplo de como os homens devem viver isso juntos, mesmo diante das diferenças e problemas que compõem, também, a criação. Obviamente essa concepção, se levada a fundo resultara na relativização de algumas crenças, que a meu ver, são prejudiciais, como a de que existe um único caminho para andar com Deus, pois isso negaria toda a diversidade que compõe o mundo, mas esse não é o nosso assunto agora, apesar de ser diretamente ligado. Essa concepção sugere que devemos desistir da necessidade de estar certo, para que possamos de fato, caminhar juntos.
            O reino de Deus na terra não é um mundo sem problemas, onde todo mundo é feliz; o reino de Deus na terra é enfrentarmos juntos o problema que é viver. Jesus representa o reino de Deus na terra, ou seja, se Deus está conosco, e negou a si mesmo para isso, e como é sugerido pela bíblia, devemos negar a nós mesmos pelos outros, entendo que essa leitura pode sugerir que devemos negar, também, a necessidade de estar certo, de descobrir a única verdade, ou de afirmar que temos a única revelação, devemos desistir de esperar que os outros concordem conosco, o que nos leva enfim, a não pensar mais que o “ímpio” vai para o inferno, pois se o reino de Deus está na terra, e Ele andou conosco, está conosco, devemos ser também reino de Deus, ou seja, estar junto dos outros, e isso humaniza. Logo, o reino de Deus não é a perfeição, ou a solução dos problemas do mundo, é solidariedade, caminhar junto, é amor, e essa é a beleza do cristianismo, isso é lindo, é preciso viver o amor, e esse deve ser o nosso maior desafio, criar verdade só complica, dificulta, piora. Assim, diante disso tudo só há uma verdade, a única verdade absoluta, o amor! Mas qual amor? Qual significado de amor? Todos!
            A leitura do romance “Admirável Mundo Novo” me ajudou a pensar sobre esse velho problema. Por que Deus não muda tudo? Por que o mundo é uma merda? Porque ele foi feito pra ser assim! Por quê? Isso não torna Deus culpado? Não! A criação foi livre e amorosa, por isso precisamos de amor e liberdade para criar e conseguir viver. Amor e liberdade são problemas, mas que se completam, porque o amor livre levado as ultima conseqüências nos indica a negação da vontade, e por isso Deus nega sua vontade, seu poder. Assim Jesus mostra que a verdadeira liberdade do amor está na negação de si mesmo, Deus colocou em sua criação liberdade e amor e nos ensinou na pratica a ser livre em amor. Ou seja, ele faz, coloca em nós o fazer e nos mostra como fazer. O mundo nunca será "perfeito", não fomos feitos pra isso. O mundo é isso mesmo que vemos, sempre foi e sempre será. O que precisamos é amar livremente, o que nos leva a negação de nós mesmos, e assim juntos, agüentar viver. Esse é o belo, que carrega consigo a agonia, o sofrimento, a alegria, e tudo que é humano. A resposta é que não há resposta, a não ser o amor, e mais nada. Negação de si, olhar para o outro, andar junto, sem querer estar certo.
            Essa teologia do Reino de Deus na terra, de concertar o mundo, um mundo perfeito etc, que sempre me inquietou, não é um bom caminho, pois pode resultar em um admirável mundo novo. O problema não é mais concertar o mundo, é conviver com as diferenças, é lutar por dignidade, justiça, amor e liberdade, é negar interesses, vontades, paixões, verdades, é colocar o outro antes de si mesmo. E como disse, não é necessário criar verdade, ou descobrir coisas, os clássicos nos apontam caminhos, talvez o caminho seja ser o que somos, humanos. O nosso problema é reencontrar a nossa humanidade.

5 comentários:

  1. Gostei, Marlon! É o que tia Rô sempre nos diz, a perfeição nos afasta do humano.

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  2. Oi Marlon, poxa tu tá inspirado hein!!!rs
    Quanta complexidade... Mas assim somos. Percebo que você se abre a entender, ou quem sabe a mais fazer novas perguntas, gostaria de lhe deixar um texto do Lama Padma Samtem
    http://www.cebb.org.br/lamasamten/ensinamentos/181-pratica-na-vida-cotidiana
    Foi um texto muito simples que li nessa semana, e embora haja tanta complexidade, prefiro acreditar na simplicidade da vida e o budismo permite isso.
    Abraços parabéns pela construção.
    Milene

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  3. gostei muito. A única verdade absoluta é o amor. toda a bagunça junta, forma o ser humano, e Deus se negou e se fez um 'bagunçado' tb :P isso é lindo.

    'O problema não é mais concertar o mundo, é conviver com as diferenças, é lutar por dignidade, justiça, amor e liberdade, é negar interesses, vontades, paixões, verdades, é colocar o outro antes de si mesmo.'
    Pra mim, ISSO é o REINO DE DEUS que Jesus tanto falou.

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  4. Valeu Milene, vou ler! e Bruna, sim, isso é o Reio que tento ser, e é tão dificil...talvez nem seja possivel, mas tentar ja é algo que nos ocupa...kkk

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