segunda-feira, 11 de abril de 2011

Capitulo II: Som, o artista solitário

 
           Existem muitas histórias, sobre muitas coisas. Uma grande missão da humanidade é atribuir sentido à sua existência. Isso gerou muitos problemas, pois, em razão da necessidade de criar sentido, criou-se também a necessidade de estar certo. E isso é um grande mal para o homem.
            As histórias mais comuns falam de Deus, ou deuses. Essas são as mais aceitas. A modernidade, percebendo a insuficiência de alguns sentidos criados, criou a falta de sentido e até mesmo a falta de necessidade de ter sentido. Mas esses também procuram estar certos. Com isso, podemos perceber que um grande mal é o desejo de estar certo.
Existem, em todas as culturas e em todos os povos, histórias que tentam explicar como o mundo apareceu e qual significado devemos atribuir às desventuras nele correntes. Estranhamente, a busca por esses significados gerou no homem uma vontade terrível de convencer os outros de sua “descoberta”. O que gera grande mal ao homem. Com isso vemos que, pior que querer estar certo, é querer impor isso aos outros.
A necessidade de estar certo e ainda convencer de sua verdade gerou no homem um outro mal, ainda mais terrível que os outros dois anteriores, o interesse de ter os outros sob seu poder. Interesse esse que potencializou todo o mal na humanidade, pois, quando há interesse há também guerra. E esse é o principal mal que assola o homem, o interesse.
Tendo visto essas grandes e terríveis maledicências que assolam o ser humano Som resolveu falar à Ideia a respeito de seu nascimento. Para que o homem entenda que ele não existe para ser e sim para não ser. Ideia tornou-se, assim, um grande profeta.
Som é, ao contrario do que se possa dizer, o criador de toda arte. A sua origem ainda é desconhecida, mas se sabe que ele ainda fala aos homens; Somente não sabemos ainda ao certo o que ele diz. Nossa história pretende contar, de forma certamente equívoca, o que Som tem dito à Ideia, nosso amigo já conhecido.
Conta-se que Som nunca nasceu. Seria ele eterno, nunca foi criado, nunca viu algo antes dele mesmo. Ele nunca apareceu, nunca surgiu, simplesmente sempre foi. Sendo assim, ele teria sempre ecoado pelo espaço infinito e obscuro sem ninguém para ouvi-lo. Imagino que seria demasiado triste ecoar tão livremente pelo infinito ouvindo sempre somente a si mesmo. Outra coisa que se acredita hoje, para tentar explicar esta terrível desventura, é a inexistência do tempo na perspectiva de Som. Ou seja, talvez ele não conhecesse o tempo. O que me parece estranho, pois toda musica tem compasso. Essas idéias nos são apresentadas normalmente em casas onde se canta alegremente. Essa gente feliz gosta de cantar para pedir à Som pela sua alma e seus interesses. Nossa história também falará dessas pessoas. Os que se dizem ouvintes.
            Existe também uma versão que afirma a inexistência de Som. Os que tal idéia defendem alegam que do acaso houve um grande peso no vazio, que por sua vez, ao não agüentar mais segurar a si mesmo caiu e gerou um grande barulho. Esse barulho teria gerado elementos que criaram seres com capacidade de criar e que por sinal criou um ser que os teria criado. Um ser que cria e que não foi criado me parece demasiado absurdo. Porém, esses também tem seus méritos. Nossa história também falará dos que se dizem surdos.
A origem de Som é um mistério para todo aquele que hoje em dia reflete sobre seu significado. Como poderia a própria arte nunca haver surgido? Como poderia o Som ter ecoado por tanto tempo e agüentar tamanha solidão? Ou mesmo, como poderia não haver Som, se a arte nos é tão evidente?
            Existem mesmo muitas idéias a respeito do nascimento do Som. Sendo ele criador ou apenas uma idéia criada. Acredita-se em muitas coisas, para o bem ou para o mal, infelizmente, na maior parte das vezes para o mal. A pura arte desinteressada se transformou em artigo de manipulação, de interesse. Hoje quem diz ouvir Som tenta impor sua concepção a todos, e quem não o ouve, ou pensa não ouvir, se acha mais inteligente, e vendem muitos livros.
            Contaremos uma nova história sobre Som e seu melhor amigo, Ideia. Essa história, ao contrário de todas as outras, não atribui para si valor de verdade e seu contador não espera estar certo. Afinal de contas, todas as pessoas têm sua maneira de ver as coisas, sempre equivocada, é claro. Essa história é resultado de anotação e observações das musicas e seus instrumentos - a saber, o mundo e as pessoas - de acordo com revelação recebida por Idéia, e aqui nos é revelada.
Quando se pensa e escuta, seja o que for, se o significado que já existente não for suficiente para si mesmo, crie outro que o seja. Esse é um importante ensinamento que Som serviu à Idéia.

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